O fim do gelo
É fato: o aquecimento global está derretendo as geleiras e as calotas polares. Mas ninguém esperava que isso ocorresse com tanta rapidez.
Quando a água de degelo da Groenlândia penetra até o leito rochoso, aumenta a velocidade de deslocamento do gelo em direção ao mar
Mesmo em sua melhor época, a estação de esqui de Chacaltaya, nos Andes bolivianos, nunca ameaçou a posição de Aspen, no Colorado. Ela oferecia uma pista de 800 metros e um precário equipamento para levar os esquiadores de volta ao topo, onde os esperava um chá de folhas de coca para aliviar o mal da altitude. Afinal, a 5 260 metros, Chacaltaya era a estação de esqui mais alta em todo o mundo. “Ela nos deu muitas glórias”, diz Walter Laguna, presidente do clube de montanhismo da Bolívia. “Costumávamos organizar campeonatos sul-americanos aqui.”
Essa época dourada ficou no passado. A prática do esqui nesse local improvável dependia de uma pequena geleira que servia de pista razoável ao recobrir-se de neve durante a temporada de chuvas na Bolívia. Porém, quando a estação foi inaugurada, em 1939, a geleira já estava diminuindo. No ano passado, tudo o que restava ali eram três pequenas áreas de gelo áspero, a maior das quais com apenas algumas centenas de metros de extensão. E o equipamento de transporte dos esquiadores atravessa campos pedregosos. Laguna acredita que ainda dá para adiar o fim da estação. Talvez o clube possa produzir neve artificial; talvez seja possível levar para lá blocos de gelo e reconstituir a geleira. Contudo, no longo prazo, admite, não há futuro para Chacaltaya.
Das mais altas montanhas aos pólos, o planeta vem perdendo seu gelo permanente com rapidez. Até mesmo os cientistas que vinham monitorando Chacaltaya desde 1991 previam que a geleira ainda resistiria por mais alguns anos. Não surpreende o fato de as geleiras estarem derretendo em virtude do aquecimento ocasionado pela emissão de gases, lançados por automóveis e indústrias, que causam o efeito estufa. O que intriga é que, nos últimos tempos, a redução do gelo vem ocorrendo em ritmo mais rápido que o progressivo aumento das temperaturas globais.
Os cientistas estão constatando que os mantos de gelo são muito sensíveis. Em vez de sofrer derretimento lento e constante, como cubos de gelo em um dia quente, elas parecem implicadas em um processo que se auto-alimenta, com o derretimento provocando mais derretimento. Em Chacaltaya, o encolhimento da geleira deixou expostas rochas escuras, o que acelerou o degelo depois que passaram a absorver o calor do Sol.
A maioria das geleiras nos Alpes pode desaparecer até o fim do século.Aquelas dispersas pelos Andes e pelo Himalaia têm, na melhor das hipóteses, uma sobrevida de mais algumas décadas. E o prognóstico sobre os maciços mantos de gelo que cobrem a Groenlândia e a Antártica? Ninguém se arrisca a definir uma data. Segundo Eric Rignot, cientista do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, Jet Propulsion Laboratory) da Nasa, que constatou que a perda de gelo na Groenlândia dobrou ao longo da última década, “hoje vemos coisas que, há apenas cinco anos, teriam parecido impossíveis e exageradas”.
O destino de muitas geleiras de montanha já está selado. Além disso, o degelo vai afetar milhões de pessoas – em países como a Bolívia, o Peru e a Índia – que hoje dependem da água derretida das geleiras para irrigar os campos, matar a sede e gerar eletricidade. Ao mesmo tempo, se o aquecimento global prosseguir no ritmo atual, regiões litorâneas poderão ser inundadas. Se as partes vulneráveis dos mantos de gelo que recobrem a Groenlândia e a Antártica sucumbirem, a elevação dos mares inundará centenas de milhares de quilômetros quadrados – parte da Flórida, de Bangladesh e da Holanda, por exemplo.
Para muitos cientistas, ainda dispomos de tempo para interromper o processo se conseguirmos reduzir o consumo de carvão, petróleo e gás. Se nada for feito nesse sentido, daqui a meio século estaremos diante de uma situação irreversível.
Antigos bancos de coral, esbranquiçados e mortos, guardam o registro de outra época em que houve aquecimento do clima e elevação do nível dos oceanos. Descobertos perto da costa de ilhotas na Flórida, nas Bermudas e nas Bahamas, eles remontam a cerca de 130 mil anos, ou seja, antes da última glaciação. Quando prosperavam, o nível do mar devia ser 4,5 a 6 metros mais alto – o que significa que grande parte da água hoje congelada na Groenlândia estava sob forma líquida nos oceanos.
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